por Francisco Sande Lemos, arqueólogo, Diário do Minho (Entre Aspas) 29 Out. 2018
(…) O traçado da Via XVII no concelho de Braga conservou-se relativamente bem, apesar das urbanizações que asfixiam a cidade antiga, pois o caminho romano funcionou como principal ligação entre Braga, Chaves e Bragança ao longo de dois milénios. (…)
A distância entre a Casa das Goladas e a Fábrica Confiança é de apenas 260 metros, se tanto. O traçado do caminho, até à Quinta dos Peões (topónimo expressivo) onde ficaria a milha II, passava a norte da capela de São Vítor o Velho, seguindo pela rua do mesmo nome, percurso interrompido pelo edificado da Fábrica Confiança, construída no final do século XIX, com sucessivas e posteriores alterações. (…)
Bracara era uma grande cidade, capital de conventus no Alto Império e de província na Antiguidade Tardia (a Gallaecia). Os arredores do núcleo urbano eram densamente povoados, com inúmeros edifícios de dimensão e funções variáveis. (…)
Grande parte dos terrenos em que teria sido oportuno realizar prospeções de superficie já se encontram ocupados por extensas urbanizações, com revolvimentos profundos sem o necessário acompanhamento arqueológico.
Sendo, assim no espaço da Fabrica Confiança, pelos motivos aduzidos, deverão ser realizadas sondagens prévias. Podem ser detectados vestígios: de uma villa, de viae privatae (rede de caminhos que dava acesso a estruturas rurais e aos campos, do tipo que foi registado a norte da Estação da CP de Braga, no Mosteiro da Visitação, por exemplo), do cadastro romano, ou de um aqueduto, como por exemplo se verificou no Campus de Gualtar, ao construir-se a Escola de Direito.
Em nosso entender o Município errou ao avançar com a venda sem ponderar o interesse arqueológico do imóvel. Justificam-se, na verdade, trabalhos minuciosos tanto no âmbito da Arqueologia Industrial (incluindo escavações) como no quadro da Arqueologia Clássica.
Obviamente tais trabalhos podem ser incluídos no caderno de encargos de um promotor privado. Corre-se o risco de se repetir uma situação semelhante à que ocorreu na Avenida da Liberdade, no antigo quarteirão dos CTT, onde, dos importantes vestígios descobertos, parte foi removida e outra conservada, mas ainda por musealizar.
Na Confiança vai perder-se um espaço que poderia não apenas ser um Museu de História da Indústria, mas também albergar um centro interpretativo da Via XVII como eixo de ligação entre o litoral e o interior, ao longo de dois milénios. Mudam-se os tempos. Não se mudam as vontades. Infelizmente!
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